Nos anos 1980, A música pop pós-punk irrompia com o Rui Veloso, os GNR, com os Táxi, com os BAN, com os Repórter Estrábico. Uma Revolução Rock. Mas também com os Bramassaji, os Café Lusitano, os Falecido Alves dos Reis, os Roxigénio, os Televive, os Trabalhadores do Comércio, os Tilt e muitos outros. Havia esse sentimento de que se estava a participar numa dinâmica nova. O “faz tu mesmo” ecoava por todo o lado. Eram, simultaneamente, criadores, produtores e consumidores das experiências que propunham. Cães Vadios, Culto da Ira, Entes Queridos, Guru Paraplégico e os Iconoclastas, Hospital Psiquiátrico, Melleril De Nembutal, Neo-Mono-Var, Prece Oposto. Atuava-se em rede de forma informal, depois também profissional, partilhando-se valores, posicionamentos estéticos e formas de relacionamento.
Onde a busca por uma identidade própria encontrava uma infinidade de possibilidades, a música, as fanzines, as rádios livres e os locais de diversão noturna funcionavam de veículo de libertação de convenções artísticas, sociais e políticas.
Os testemunhos de quem viveu tudo isto na primeira pessoa e as perspetivas 40 anos depois, numa série de entrevistas exclusivas recolhidas para esta exposição.
Forma e conteúdo não existem separados: o meio e a mensagem implicam-se. Por isso, a efervescência cultural dos anos 1980 é siamesa da profusão de formatos que documentaram essa ebulição. Nas fanzines, existia o Confidências do Exílio, o Tosse Convulsa, o Cadáver Esquisito, o Peresgótika, o Da Frente e mais, para uma ligação direta ao mundo da música sem tocar uma nota. O alcance é pequeno, mas a satisfação é garantida. De maior projeção, só o Metro que é guia urbano, mas também gostava de andar pelas margens.
Também as sonoridades, os manifestos e as imposturas nada seriam sem as rádios (piratas), os jornais, os programas de TV e os fanzines que os reproduziram. Quem tivesse um emissor poderia ir “para lá do FM”, quem conseguisse uma fotocopiadora poderia ter um “jornal”. Rádios piratas, fanzines, concertos, bares, são novas formas de (des)institucionalizar o acesso e a produção de cultura alternativa. Na rádio, há a Caos, a Delírio, a Universitária, a Nova Era e tantas outras, onde o experimental, o pouco tocado, a literatura, ganha forma de ser ouvido.
Punks, góticos, psycobillies, urbano-depressivos, skinheads, neorromânticos, metaleiros, rastaffaris, betos, pós-punks. Existência e resistência plástica, estética, estilística e performática – substancializada nas roupas, nos penteados e nos corpos. Impedidas de ganhar a guerra contra uma sociedade que quer obliterá-las, as subculturas teatralizam as vitórias que nunca obtiveram, levantando – no imaginário mundo do estilo – o troféu que lhe foi negado no mundo real. Embora empiricamente marginalizadas, excluídas e subjugadas, as subculturas vestem-se, comportam-se e transitam pela cidade como se fossem a dominante cultural. É isto ser de uma tribo urbana nos anos 1980: fazer da rua o campo de batalha da afirmação pessoal, porque há que aguentar com o escárnio do normal sem medo de mostrar que podiam estar em Londres, em Amesterdão ou em Berlim, mas isto é no Porto que acontecia. A roupa, os cabelos, e os artefactos são os meios mais rápidos para entrar no conto do rock’n’roll. Estar mais alto na hierarquia era estar numa banda ou andar numa escola de moda ou então na Soares dos Reis ou na Árvore. Todos estes eram letrados no direito à diferença.
Os anos 1980 foram também os tempos da massividade da construção arquitetónica e das grandes catedrais do consumo. Foi o tempo da institucionalização/moda do fast food, e do prêt-à-porter. Tudo era excesso. Excesso de espelhos, de néons, de maquilhagem, de estilos e de consumos.